sexta-feira, 15 de setembro de 2017

210 – ESTUDOS de ARTE.

ATHOS DAMASCENO FERREIRA
Porto Alegre, 3 de setembro de 1902  -  Porto Alegre, 14 de abril de1975

Pesquisa e texto de ILDA ANDERS APEL

Porto Alegre, 31 de agosto de 2017.

Enciclopédia Rio-grandense., O RIO GRANDE do SUL  ATUAL Canoas-RS: La Salle.  3º vol.  1957 p.305 il, col
Fig. 01 - Athos Damasceno Ferreira num desenho de João FAHRION (1898-1970) O poeta, cronista e historiado concentrado na pesquisa documental impressa. Tanto FAHRION  como DAMASCENO eram personagens discretíssimas e habitualmente caladas. Falava por eles a sua ARTE.   
Era filho de João Armando Damasceno Ferreira e Ana Dias da Silva. Os pais moravam num sobradão da antiga Rua da Praia, atual Rua dos Andradas, ao lado da Casa Krahe (portanto próximo ao cruzamento com a rua Marechal Floriano). Frequentou por um ano e meio uma escola dos maristas e após recebeu lições de um professor particular. Em 1915 matricula-se no Colégio Meyer, onde conclui o curso de Humanidades, em 1919. Ingressa na imprensa porto-alegrense e nela trabalha até 1927. Exerceu funções na Secretaria de Educação do estado. Casa-se em 1928 com Clara Vasques Goulart (Clarinha), numa união que perdurou até seu falecimento. 

Damasceno produziu uma obra literária bastante extensa e diversificada. Foi jornalista, poeta, romancista, crítico, pesquisador. Usou pseudônimos: Ferreira Jr., Peregrino Barbatana e Pierrot Blasé. A primeira fase literária de Damasceno é dedicada à poesia, com a obra Poema, publicada em 1922. Era um apaixonado por sua cidade natal, inspirou-se nela para escrever poemas enaltecendo sua beleza, suas paisagens e recantos onde os habitantes circulavam, as casas com fachadas valorizadas por lindas sacadas e sacadinhas de tantas utilidades para os moradores, quase tudo servia de inspiração para suas poesias, que foram reunidas no livro “Poemas da minha Cidade”, publicado em 1936. Para ele, todos os elementos da natureza se entrelaçavam no quotidiano das pessoas, Damasceno apresentava isto com muita sensibilidade. Era um tanto nostálgico em relação às mudanças que via ocorrerem por conta do progresso e desenvolvimento da cidade e lamentava as demolições e novas construções que tiravam o charme da antiga cidade provinciana.

Desenho de Athos DAMASENO FEREIRA in  POEMAS da MINHA CIDADE (2ª ed). Porto Alegre: Ed. Globo  1944 p. 121 Poema “PRAÇA da MATRIZ”,
Fig. 02 - Athos Damasceno Ferreira faz predominar o branco do espaço vazio tanto no DESENHO-ILUSTRAÇÃO como o silêncio de qualquer palavra superficial, adjetiva ou narrativa redundante nos seus POEMAS..  O ILUSTRADOR  ATHOS trabalha, nas artes visuais, com uns poucos elementos gráficos, compõe a cena que o observador é convidado a completar com o seu repertório visual. No POEMA ATHOS trabalha com a matéria prima da palavra e as sugestões que ela provoca no seu leitor.

 Como neste poema transbordando saudosismo, intitulado “Praça da Matriz”:                   

            São os pássaros que voam contra o azul, sobre as cumeeiras

            (quem me dera as mesmas asas tatalantes, migradoras!...)

            Minhas mãos caem ao longo do meu corpo – prisioneiras,

            Só as vozes do passado ainda me são consoladoras...



            Olho agora da janela a copa verde das paineiras...

            (Que é de vós, sombras amigas, que passáveis sonhadoras,

            entre os choupos das aléas junto às velhas trepadeiras,

            Para as missas de domingo, nas manhãs ensolaradas?...)



            Me revejo, neste instante, como eu era antigamente:

            - sou de novo o rapazinho do colégio dos Maristas,

            o menino de olhos tristes e carinha de doente...



            Lá vou eu de novo à Missa, de boné e cabeção

            Vou passando pela praça, sob a copa das paineiras,

            Meu avô, de cartolinha, me levando pela mão...



A poesia de Damasceno, e a prosa também, é sempre envolvente, tudo ao seu redor se conecta, se relaciona: ele com as árvores, as ruas, as praças, os animais, o céu, a noite, o dia, e neste encontro de tantos elementos nos carrega junto para participar dos seus devaneios e experimentar esses momentos de encantamento. A poesia de Damasceno é sedutora, integradora, nos faz sentir parte do lugar, caminhando junto com ele pelas ruas e praças, protestando também pelos malfeitos que tiraram o brilho do lugar, o progresso da cidade poderia ter sido diferente.

Desenho de Athos DAMASCENO FEREIRA in  POEMAS da MINHA CIDADE (2ª ed). Porto Alegre: Ed. Globo  1944 p.35 Ilustração do poema  Procissão do Senhor dos Passos
Fig. 03 – O memorialista Athos Damasceno Ferreira parte de suas próprias experiências da cultura de Porto Alegre.  Na ILUSTRAÇÂO do POEMA intitulado “Procissão do Senhor dos Passos”  ATHOS destaca uma SACADA e SACADINHA que será objeto  tanto nas artes visuais como em trabalho  narrativa no qual aborda este lugar “para ver e ser visto”  SACADAS e SACADINHAS como limite entre o MUNDO EXTERNO e o MUNDO INTERNO que predominava ainda na infância do POETA e CRONISTA e HISTORIADOR das ARTES VISUAIS .

Neste outro poema, intitulado “PROCISSÃO DO SENHOR DOS PASSOS”, igualmente publicado no livro “Poemas da minha Cidade”, ele nos deixa entrever um momento de sua infância:



            Me lembro: - Minha mãe me conduzia

            Pela mão, junto ao andor do Senhor dos Passos...

            Velhos, crianças, tudo, em romaria,

            Caminhava, rezando, de olhos baixos...



            Ao longo, as ruas eram alumiadas

            Pelo clarão das tochas e das velas...

            Colchas roxas pendiam das sacadas

            E assomavam cabeças, nas janelas...



            No silêncio, se ouviam os breviários,

            As charangas tocavam em surdina,

            De mistura com os terços dos rosários...



            E eu, anjo e demônio desde infante,

            Punha pingos de cera, de propósito,

            Nos piedosos fraques que iam adiante...



Muitas informações sobre a pessoa do poeta transparecem e se revelam pela leitura dos seus poemas. Podem ser simples narrativas em forma de poesia, cheias de sentimentos e encantamentos pela terra onde ele viveu e que inspirou sua apreciável obra. Ele acompanhou as transformações pelas quais foi passando a cidade de Porto Alegre e sempre lamentou as demolições e os desvirtuamentos paisagísticos e urbanos que aos seus olhos foram tirando a beleza do que de bonito havia em termos de arquitetura.
Desenho de Athos DAMASCENO FEREIRA in  POEMAS da MINHA CIDADE (2ª ed). Porto Alegre: Ed. Globo  1944 p.32 Ilustração do poema  Praça da Harmonia
A Fig. 04 - Athos Damasceno Ferreira  no seu POEMA “ Praça da HARMONIA”  conjugou os índices do mobiliário colocados na intervenção urbana com  paisagem ordenada, selecionada e silenciosa..  Nestes índices vislumbra os vultos dos poetas ausentes  de Álvaro, o Felipe, o Dionélio, o Eduardo o De Souza  cujas criações continuam a presentes na sua memória, colocados e recitados diante do Guaíba em cujas águas se embalavam outrora os veleiros.

Numa de suas poesias, Damasceno descreve a cidade onde ele viveu toda vida e conta assim suas memórias e os seus sentimentos ao ver as mudanças que o tempo trouxe à cidade:


POEMAS DA MINHA CIDADE

            Que é daqueles lampiões

            Que espiavam de dentro do tufo das árvores velhas

            O ingênuo colóquio dos noivos

            Nas salas das casas fronteiriças à praça?...

           

            As crianças brincavam de roda na rua risonha

            que foi o princípio da linda cidade açoriana...



            De cima – as estrelas botavam reflexos vagos nos vidros dos graves sobrados

            Com largas portadas e muros cobertos de heras...



            Debaixo – os humildes e tristes casebres

            Erguiam, medrosos, os olhos vazios das janelas

            Até a nobreza dos altos beirais solarengos...



            Andei tantas vezes por estes caminhos!...



E via as crianças brincando de roda.

E via o ingênuo colóquio dos noivos

                        que eram vigiados

                                   cuidados

                                   olhados

                        por todos os lados...



E via que, às vezes, cruzavam a praça deserta

Senhores austeros, com fraques de alpaca e calças balão...

Diziam que eram maçons,

- senhores de alta linhagem

que vinham de estranhos congressos,

falavam baixinho

e viam mistérios em todos os cantos...



Depois, se perdiam nos ângulos rasos das ruas.



Agora, o silêncio me diz tanta coisa,

Me dá a presença amorosa de tantos destinos ausentes...



Na praça deserta

As árvores velhas se encolhem na sombra,

As folhas cochicham...



E no fundo esbatido do céu cor de cinza

As torres da Igreja das Dores

Assistem e velam o sono cristão da cidade...

Desenho de Athos DAMASCENO FEREIRA in  POEMAS da MINHA CIDADE (2ª ed). Porto Alegre: Ed. Globo  1944 p.9 Ilustração do poema  Alto da Bronze
Fig. 05 – Com um pouco de atenção é possível acompanhar as referências pictóricas dos DESENHOS-ILUSTRAÇÕES de Damasceno Ferreira motivadas e orientadas nas suas sínteses a partir de quadros dos seus amigos e companheiros pintores.  Na ILUSTRAÇÂO  do poema “LTO da BONZE”  ATHOS escolhe um detalhe das duas torres do quando de LIBINDO FERRAS exposto no SALÂO do INSITUTO de Belas Artes do RS no dia 15  de novembro de 1929.

Neste poema, Damasceno vai extravasando seus sentimentos, mas também apontando, com toda a delicadeza e respeito apropriados para a época, a enorme desigualdade social existente na cidade. E só de passagem, como se fosse só para constar, cita duas instituições protagonistas ativas do desenvolvimento da sociedade, mas que, ou passam apressadas pelas ruas vendo mistérios em todos os cantos, ou então apenas tinham a pretensão de guardar o sono da cidade tangendo sinos. E se perdiam nos ângulos rasos das ruas...

Igualmente Damasceno estendeu seu olhar para além da cidade de Porto Alegre, sobre o que estava se processando em relação às raízes do povo gaúcho, “num tempo em que a cultura se universalizava e as antigas raízes culturais se dissolviam”. Não negava o passado de lutas do povo gaúcho, mas exigia uma interpretação imparcial, sem tanto glamour. Travou uma polêmica que ficou célebre com Vargas Neto, que pertencia ao grupo dos chamados saudosistas e que resumiam todo o povo rio-grandense na figura do gaúcho, tido como homem valente, livre e aguerrido, e centravam a herança cultural do estado no passado campeiro e militar e na contribuição dos portugueses. Damasceno se opõe veementemente a essa visão fragmentada do homem rio-grandense. E afirmava que o Rio Grande do Sul “já não é mais um vasto campo de criação de gado. E que possuímos uma vasta zona colonial onde homens de outras raças, de outros climas, trabalham, sofrem, lutam conosco pelo progresso do estado”. E ironiza: “será possível que, se amanhã tivermos de apresentar-nos fora daqui, na França, no Industão ou no inferno, teremos de levar um petiço a cabresto, à maneira de ficha de identidade ou credenciais acreditadas?”.

Banquete oferecido na noite de 19.06.1956 – Terça feira -[1]
Fig. 06 - Athos Damasceno Ferreira no  banquete oferecido a Tasso Corrêa  na Pinacoteca do  Instituto de Belas Artes  do Rio Grande do Sul no qual TASSO recebeu a homenagem pelo 20o .aniversário da sua ADMINISTRAÇÃO como Diretor PERSONAGES [da direita para a esquerda de quem olha para a foto] 1 – Athos Damasceno Ferreira 2 – Nome ignorado 3 - Marlene Damasceno Perrozzi  4– Nome ignorado  –Cel. Daniel Monteiro 5 –Luis Carlos de Mesquita Rothmann – Secretário geral do IBA-R
[Personagens identificados por Luis Carlos Rothman e Lucila Conceição em 22.04.2000]

É bem marcada a veia satírica de Damasceno, tanto em prosa como em verso. Consta que, com seu espírito arguto, captava com facilidade o ridículo das situações e dos gestos ou mesmo as falhas de caráter das pessoas, porém, como tinha da amizade um conceito muito elevado, viveu bem entre amigos. Produziu muito no terreno da sátira, contudo, com o tempo destruiu boa parte do seu trabalho, principalmente as sátiras mais ferinas, e o que sobrou foi publicado no livro Poesias Reunidas.



[1] - Em Díário de Notícias. Porto Alegre: dias 15.06.1956, 17.06,1956 e 22.06.1956
          A Hora. Porto Alegre, dias 12.0.1956, 13.06.1956 e 15.06.1956
          Correio do Povo. Porto Alegre, 23.06.1956, p.4
           O Jornal. Rio de Janeiro, Sábado, 23.06.1956 (Recortes dos periódicos sem noe página da pasta de Tasso Corrêa  {148bCURR}
Athos DAMASCENO FERREIRA no Seminário  Arquitetura e Urbanismo do IBA-RS  em  julho 1948 com Mauricio CRAVOTTO (1893-1962) no BAR do IBA-RS
Fig. 07 – A presença de Athos Damasceno Ferreira revela os seus interesses, o seu circulo de amizades e admiradores.  A foto - tomada ao longo do Seminário de ARQUITETURA e de URBANISMO  promovido pelo  Instituto de Belas Artes  , sob o comando de Tasso Corrêa  - mostra a primeira turma de ENSINO SUPERIOR de  ARQUITETURA e URBANISMO específica, e no âmbito e sob a normas, da Universidade Brasileira promovida no Rio Grande do Sul.
PERSONAGES SENTADOS [da direita para a esquerda de quem olha para a foto] 1 – Athos Damasceno Ferreira; 2 –  Mauricio CRAVOTTO;  3 – Tasso CORREIA;  4– Eugen STEINHOF....  

A partir de 1940, Damasceno inicia pesquisa histórica no âmbito das artes no Rio Grande do Sul durante o século XIX. O primeiro livro publicado foi Palco, Salão e Picadeiro, que trata das artes cênicas em geral. Ele cita os grupos locais e estrangeiros que se apresentaram na cidade até o início do século XX e que ficaram registrados na imprensa através de comentários ou de anúncios. Fala da primeira casa de espetáculos, modesta, a Casa da Ópera, da Sociedade Musical Porto-Alegrense, da construção e inauguração do Teatro São Pedro, e principalmente comenta sobre a performance e o sucesso das inúmeras apresentações teatrais, de mímica, de acrobacia, de óperas, recitais e tudo mais que entretinha o público de todos os gostos naquele século. Trata-se de uma obra de quase 400 páginas de alto valor histórico e escrito com tanto talento que prende o leitor, quanto mais não seja pela surpresa de descobrir a movimentação que ocorria no campo das artes cênicas na cidade de Porto Alegre àquele tempo. Os espetáculos vão sendo nomeados juntamente com as circunstâncias em que ocorreram, a aceitação e o sucesso de público e os comentários e críticas que circularam na imprensa.

A obra “Imprensa Caricata do Rio Grande do Sul no Século XIX”, com mais de 200 páginas, surgiu nos anos seguintes. Ela reproduz artigos publicados e revisados pelo autor, contando a respeito dos inúmeros periódicos publicados na Porto Alegre de então e também na cidade de Rio Grande. Haviam sempre vários jornais especializados em fazer caricaturas de pessoas ou de acontecimentos circulando ao mesmo tampo e disputando o mesmo tipo de consumidores. Cada novo jornal que surgia na praça era até saudado pelos concorrentes, com os votos de longa vida e prosperidade, e os concorrentes também noticiavam e lamentavam o desaparecimento dos que suspendiam suas edições. Damasceno confere atenção especial aos caricaturistas da época, cita os seus nomes e reproduz no livro algumas caricaturas desses que eram os principais responsáveis pelo sucesso do jornal e de suas vendas. Era um tipo de imprensa que não concorria com os periódicos que circulavam com as notícias gerais do momento. Alguns jornais caricatas tiveram vida bastante longa. Conta o autor que ”havia debates acalorados de ideias e princípios nas legendas das charges, em geral ferinas, e, especialmente no curso de acesas discussões de caráter pessoal, são comuns a grosseria dos conceitos e a imoderação de linguagem”. E o jornal com menos freios neste sentido era “O Século”, vindo mesmo da irreverência o segredo do seu êxito. Até os leitores mais escrupulosos e sisudos consta que o recebiam muito bem, não deixando de estimular as sátiras com risos e aplausos, principalmente nas investidas contra o Clero. “Talvez não seja exagero observar que a essa altura o periódico era, até certo ponto, o reflexo da opinião e dos sentimentos da maioria e quase a tradução literal, digamos assim, do meio onde circulava – meio exposto, por força da nossa imaturidade cultural, a excessos de toda ordem que enfraqueciam a autoridade e geravam a confusão”. Nesta obra, Damasceno vai citando os acontecimentos cujos protagonistas provocaram na política, na administração pública ou por uma circunstância particular, comentários jocosos ou humorísticos na imprensa dita caricata.
Fig. 08 - Athos Damasceno Ferreira e Aldo Locatelli na inauguração do MARGS no Foyer do THEATRO SÂO PEDRO. A iniciativa comandada por Ado Malagoli e contou com a decidida orientação de Tasso Correa como Conselheiro da Educação e Cultura. Contou com o apoio do governo e, inclusive,  da Mitra Metropolitana. Assim esta iniciativa pioneira no Rio Grande do Sul poder ser inscrita no âmbito de um PROJETO  CIVILIZARÒRIO COMPENSADO da VIOLÊNCIA que o ESTADO se percebe coagido a usar como delegação e contrato dos seus cidadãos. Cidadãos que, mediante este contrato,  se privam de fazer a justiça com as próprias mãos e meios.

O terceiro livro sobre o movimento artístico no nosso estado, chama-se “Artes Plásticas no Rio Grande do Sul” e abrange o período de 1755 a 1900. É uma alentada obra de mais de 500 páginas.

Damasceno inicia falando sobre os povos indígenas, primitivos habitantes do Rio Grande do Sul e qual seria sua real capacidade de produzir arte, uma vez que eram conhecidos o seu ”escasso arsenal de armas grosseiras e seus minguados haveres de rústica cerâmica”. Sobre a inteligência dos índios, há avaliações bastante contraditórias, umas sugerindo que só por um passe de mágica, sob o jugo dos jesuítas, tenham eles se transformado em operários eficientes. E há também depoimentos que atestam bem o contrário: falam da excelente capacidade de imitação dos índios, pois, “vendo algo novo, é certo que eles tentarão reproduzir”, e com muita propriedade, consta. Desmerecendo a habilidade do índio de fazer arte de qualidade, houve quem afirmasse que, após devolvidos os aborígenes à vida livre, jamais se ouviu falar que produzissem uma obra como as estátuas católicas.

Sobre a contribuição dos índios à produção da estatutária sacra produzidas nas missões jesuíticas, há que se considerar, em primeiro lugar, que os jesuítas da Companhia de Jesus chegados às reduções, provinham de vários países europeus e alguns possuíam formação de arquitetos, urbanistas, escultores, pintores, o que se refletiu nos diversos estilos não só arquitetônicos das igrejas por eles construídas, como também nos seus ornamentos. As igrejas por eles edificadas eram ornadas com arcos e consta que de cada um deles pendia um candelabro de prata. Os jesuítas podiam empregar esse material, visto que as reduções se localizavam relativamente próximo das minas de prata da região. Com o tempo, foram retirados muitas desses candelabros “pesando cem ou mais arrobas de prata” (sendo cem arrobas equivalentes a 1468,800 quilos). Consta que os jesuítas espanhóis se ocupavam preferencialmente da administração do dinheiro e os demais integrantes das missões que possuíam preparo para tal projetavam os edifícios das missões.

A respeito do variado e custoso acervo encontrado nas igrejas dos Sete Povos das Missões, diz Damasceno que não somos “mais que simples depositários, pois nenhum nexo cultural a ele nos vincula. A obra dos jesuítas nas diferentes doutrinas guaranis se situou inteiramente à margem do processo de nossa formação. E se, como já se disse, nenhuma contribuição merecedora de apreço, na esfera da cultura, recebemos dos primitivos habitantes desta parte da América, também nada devemos à Companhia de Jesus, cuja presença nos Sete Povos, durante quase dois séculos, se traduziria, ao contrário, em atos de franca competição e até de hostilidade declarada à política luso-brasileira de expansão colonial”. Nesta altura, Damasceno se socorre das palavras de escritor Moyses Velinho, que explica que “somente algumas décadas após a derrocada das missões jesuíticas veio o território dos Sete Povos a incorporar-se, por capitulação militar, ao território rio-grandense, e que os fatos da crônica missioneira ocorreram assim do outro lado da fronteira”.

Na continuação do livro Artes Plásticas no Rio Grande do Sul, é feita uma volumosa e detalhada citação dos artistas que mais se projetaram no campo das artes plásticas até o século XX. Foram muitos, dezenas, alguns recém-chegados e já estabelecidos em seus ateliers. Alguns ótimos retratistas, fizeram nome e ganharam prestígio exibindo seus trabalhos nas vitrines das lojas das ruas centrais da cidade. Damasceno pesquisa sobre o trabalho de cada um deles e faz um relato breve comentário, mas sempre de apreço acerca da aceitação e do sucesso alcançado na cidade.



Nesse livro sobre as artes plásticas, Damasceno, na primeira página, dedica a obra a Tasso Corrêa “a cuja Inteligência, sensibilidade e ação tanto devem as Belas-Artes no Rio Grande do Sul. Na página seguinte, transcreve o seguinte texto escrito por Dámaso Alonso, retirado do livro “Poesia Espanhola – Ensaio de métodos e limites estilísticos”

“...Essa massa amorfa se acumula ante nossos olhos, imensa montanha. Comparada a ela, mal são uns quantos pontinhos concretos as autênticas obras de arte. Mas, se nos aproximamos, vemos que essa massa se estria, que na realidade se move, que tem um fim. Há uma angústia e uma impotência – belas também – nesse montão que bole. Um desejo ainda não satisfeito rebate aí em ressonâncias opacas, onde se acumulam as tentativas fracassadas, esse escuro forcejar de uma época em busca de sua expressão ainda não lograda...”

Nestas três obras citadas sobre o movimento cultural e artístico no estado do Rio Grande do Sul é louvado o enorme esforço de Athos Damasceno Ferreira para pesquisar, coligir dados, comentar e interligar os fatos, situando-os dentro do seu tempo e da atmosfera social e cultural em que se produziram. São obras que abordam a História, as condições sociais da época, apresentando igualmente uma avaliação crítica bastante ponderada de tudo.
Desenho de Athos DAMASCENO FEREIRA in  POEMAS da MINHA CIDADE (2ª ed). Porto Alegre: Ed. Globo  1944 p.102 Ilustração do poema  Nossa Senhora dos Navegantes
Fig. 09 - No DESENHO-ILUSTRAÇÃO do  POEMA intitulado “Nossa Senhora dos Navegantes” Athos Damasceno Ferreira faz predominar as bandeirinhas da festa para sugerir a paisagem, as pessoas e a emoção poética do evento  O ILUSTRADOR  ATHOS trabalha com elementos universais das festas marítimas que são dão em qualquer cidade portuária e em contato íntimo com as águas.

Damasceno produziu também livros de ficção, de contos e novelas. Histórias não muito longas, narradas com tanta arte e sensibilidade que quase nos sentimos à vontade de fazer parte dos dramas e sonhos das famílias, junto com seus conceitos e preconceitos, entendimentos e desentendimentos. Damasceno é humano, essencialmente humano no trato do seu ofício de escritor e muito corajoso ao expor os fatos e as pessoas, mas com um cuidado enorme ao utilizar adjetivos e superlativos.

Damasceno escreveu inúmeros trabalhos que ficaram inéditos e que mostram outra faceta do autor. Com o passar dos anos, mais amargo, triste e desencantado, mas que também extravasava bom humor e ironia. Escreveu ele:

            Não sou pensador – sou pensativo.

            Em arte – artífice, não artista.

            Do poeta, que fui, apenas sobrou

                        O epagramista.

Desenho de Athos DAMASCENO FEREIRA in  POEMAS da MINHA CIDADE (2ª ed). Porto Alegre: Ed. Globo  1944 p.129 Ilustração do poema  Grossmütterchen
Fig. 10 - No POEMA intitulado “GOSSMÜTTERCHEN - vovozinhaAthos Damasceno Ferreira vale-se de alguns  objetos que cercam esta figura doméstica e urbana.  Neste DESENHO-ILUSTRAÇÃO o guarda chuva gotejante nos remete também ao exterior e que ILUSTRADOR POETA   ATHOS trabalhou numa serie de poemas dedicados à Porto Alegre. Sugere a presença das águas, do clima úmido  e que Albert CAMUS remeteu as “CIDADES PÂNTANOS” como são Londres, Amsterdam e Veneza.  No  lado ontológico é possível captar a melancolia, a sensação de limite e de finitude  do TEMPO, LUGAR e SOCIEDADE específica.

Aos que o admiravam como poeta, ele surpreendeu com a amargura dos seus últimos poemas escritos já mais no fim da sua vida, como o abaixo:

            Nem uma sombra se projete agora

            Nesta escarpada rocha, onde meus passos

            Assinalam a fuga, rumo à aurora,

            E vão deixando os últimos pedaços.



            Do corpo que carrego espaço-a-fora,

            Que mal carrego nos meus próprios braços

            Inúteis, como inúteis já outrora

            Foram para as misérias e cansaços



            De toda uma existência dissipada...

            Nem uma sombra, na distância ou perto

Se projete, ante mim, nesta escalada!

Sobre o muro de pedras e segredos,

- superfície de cal e de deserto –

que apenas fique a marca dos meus dedos.



Athos Damasceno Ferreira faleceu com 74 anos de idade, no Hospital Fêmina de Porto Alegre. Causa mortis: enfisema pulmonar. Está enterrado no cemitério São Miguel e Almas, desta cidade.


BIBLIOGRAFIA

CESAR, Guilhermino. Athos Damasceno Ferreira. Separata do livro Poesias reunidas, de Athos Damasceno Ferreira. Porto Alegre: Globo, 1979

FERREIRA, Athos Damasceno. Poemas da minha cidade. Porto Alegre: Globo, 1944
______, Colóquios com a minha cidade. Porto Alegre: Globo, 1974
______, Imprensa Caricata do Rio Grande do Sul no século XIX. Porto Alegre: Globo, 1962
______, Palco, salão e picadeiro em Porto Alegre no século XIX. Porto Alegre: Globo, 1956
______, Artes Plásticas no Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Globo, 1971
______, Persianas verdes. Porto Alegre: Globo, 1067
______, Moleque. Porto Alegre: Globo, 1936

SILVA, Gabriela Correa da. O regionalismo sul-rio-grandense de Athos Damasceno e sua polêmica com Vargas Netto (1932). Monografia apresentada no curso de História da UFRGS, Porto Alegre, 2011.
______, Da ficção à História: a escrita da história de Athos Damasceno Ferreira (1940-1974). Pesquisa de mestrado na UFRGS, 2012

WIKIPEDIA, Athos Damasceno Ferreira. A enciclopédia livre de Internet, 2017.

O presente texto de ILDA ANDERS APEL foi apresentado por ela, apreciado e discutido pelo GRUPO de PESQUISA da  AAMARGS  no dia 31 de agosto de 2017 e autorizado a sua publicação no presente blog no dia 14 de setembro de 2017.

Página do FACE BOOK do GRUPO de PESQUISA da  AAMARGS 
Enciclopédia Rio-grandense., O RIO GRANDE do SUL  ATUAL Canoas-RS: La Salle.  3º vol.  1957 pp.304-305 il, col
ÁTICO
Timeu


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