quinta-feira, 21 de outubro de 2010

ARTE em PORTO ALEGRE e a “HISTÓRIA em MIGALHAS” - 09.06

Maria Annita Tollens Linck


Arquivo fotográfico pessoal da artista

Fig. 01 – Maria Annita Tollens Linck no atelier

Na parede ao fundo experimentos com vidrados, potes e materiais cerâmicos.

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Maria Annita Tollens Linck realizou a escolha pela cerâmica. Coerente com este material ao longo da sua carreira produziu obras memoráveis. Teve de enfrentar preconceitos de toda ordem. Entre eles é o tabu do trabalho com as mãos, disseminado em toda a cultura brasileira, outro é a renhida luta para separar artesanato de arte além de que gaúcho não faz cerâmica. Mas certamente não se conhece a obra desta mestra quem escreve que a sul-rio-grandense não faz cerâmica. A cerâmica erudita sulina e brasileira deve muito a Marianita, inclusive o primeiro curso superior de cerâmica do Brasil. Com a obra desta artista, pesquisadora e professora mergulhamos fundo na História em Migalhas de Porto Alegre. História onde cada migalha conta uma origem, uma influência e sobretudo a memória do que é possível realizar por meio de um projeto tão lúcido como desta personalidade. O projeto de Marianita insiste que a cerâmica, em todas as épocas e lugares, é um material privilegiado para as artes plásticas.


Arquivo fotográfico pessoal da artista

Fig. 02 – Maria Annita Tollens Linck

O pote e as mãos da artista.



Alice Soares - sua colega de Instituto de Artes da UFRGS - percebeu a coerência deste projeto que conjuga arte, rigor acadêmico e o barro. Assim escreveu depois de uma visita e na véspera de uma exposição:




“Vi, sim, cerâmica e vi artes. Sem que a rigor possa dissociar, diria que na cerâmica propriamente, em seu aspecto artesanal, percebi a continuidade, a pesquisa, o conhecimento na manipulação dos materiais, o trabalho consciencioso. E como arte percebi o reflexo de uma personalidade onde a sensibilidade fala alta e a vontade de realizar traz o sopro do élan criador”.




No universo da cerâmica são necessárias escolhas precisas e ela sabia, desde o início de sua carreira de ceramista, que toda a escolha é uma perda

Evidente que Porto Alegre contava com Wilbur Olmedo (1920-1998)[1] ou Pierre Prouvot[2] nomes que lutaram contra o mesmo preconceito. O projeto de Marianita abriu novos caminhos numa série de experimentos cientificamente controlados, ensinou com metodologia apropriada à cerâmica e povoou o mundo da arte de Porto Alegre com obras coerentes com estas dimensões do seu projeto.




Arquivo fotográfico pessoal da artista

Fig. 03 – Maria Annita Tollens Linck no 31º Congresso de Cerâmica

Brasília

Como cidadã, Marianita foi obrigada a uma longa, minuciosa e rigorosa formação pelo mundo afora para conquistar a sua cidadania na arte. Teve de trabalhar arduamente como os demais cidadãos e conquistar o direito de se aposentar dos demais trabalhos que a civilização impõe a todos. Aguardou esse momento para financiar a sua carreira artística e a sua obra, pois artista plástico não se aposenta e a inspiração não pode aguardar mecenas. Ei-la aposentada e mais ativa e criativa do que nunca. Quem conhece a sua carreira sabe que, ao entregar ao mundo alguma obra, o público está diante da mais alta qualidade, como agora nessa nova série de potes antropomorfos. Eles passaram pelas mais rigorosas normas com as quais ela sempre cercou a sua obra quanto entrega algo ao público.

A sua obra cerâmica não concorre com ninguém e desarma qualquer um sem questionamentos raivosos. Ela sabe que a guerra quebra mais do que constrói, principalmente em se tratando da cerâmica. Com os seus potes faz triunfar a paz que ela e a suas obras exigem para continuarem a existir

Armindo TREVISAN escreveu.

A cerâmica de Maria Annita Tollens Linck[1] não só brinda os olhos com deleites de visão, como estimula o espectador ao prazer das sinestesias, que implicam a fruição dos outros sentidos. Numa palavra, só poderemos gozar plenamente dessa Arte requintada se nos entregarmos – bachelardianamente – a um devaneio sensorial, capaz de abarcar com carícias tais volumes sinuosos, vagamente núpcias ou maternais”


Sem estardalhaços, sem escândalos, sem gritos ou motins, a sua obra, que ora apresenta, apenas deseja ser verdadeira. Verdade que evoluiu através de um trabalho continuado e intenso numa busca coerente com os limites que a cerâmica impõe na evolução da linguagem de sua arte. Passou pela almofadas, chegou ao pote poético, enveredou pelas rimas desse pote com a figura feminina.


[1] - TREVISAN Armindo In catálogo «NATUREZA HUMANA» Galeria Tina Zappoli. Porto Alegre, Ag-Out. 1996

Arquivo fotográfico pessoal da artista

Fig. 04 – Obras de Maria Annita Tollens Linck

Vasos antropomorfos

Eis que apresenta o esplendor dos seus potes antropomorfos negros, carregados de todos e mais profundos prazeres que pode ser ofertada a um simples mortal. O arquétipo do negro feminino dos seus potes emerge das mãos de Annita noturno e saturado de um imenso prazer. Arquétipo feminino que surge carregado de sensualidade elaborada que se oferece ao olhar, ao tato e até ao ouvido. A cerâmica também possui um belo som quando queimada nas temperaturas, que Marianita a submete.


Arquivo fotográfico pessoal da artista

Fig. 05 – Maria Annita Tollens Linck e a sua turma de estudantes de cerâmica

na busca de terra ideal.


Marianita sabe combinar a estrutura que a TERRA oferece, com a elaboração do FOGO e com o sopro criativo do AR, para que o pote contenha a ÀGUA da vida. Nessa vida acrescenta-lhe o tempo primordial, onde se desencadeiam os ciclos continuados da criação desde as eras mais remotas. Nessa dimensão do CRONOS domesticado, ela recapitula as eras primordiais do mundo, onde consegue fazer triunfar o EROS sobre TANATOS, plasmando as obras que ora oferece ao nosso prazer de ver, tocar e viver.


Fig. 06 – O 1º Curso Superior de Cerâmica do Brasil criado pela inciativa de Maria Annita Tollens Linck

Capa do folder com os objetivos e currículo deste Curso .



Com o tempo que aprisiona nos seus potes retorna às origens da cerâmica: uma síntese entre a cultura oriental e o ocidental. Anterior à técnica do torno, constrói com placas cerâmicas e fogo os seus arquétipos, que limitam e aprisionam o tempo e o espaço.


Ela escolheu o pote como seu limite e competência. Limite que ela carrega de afeição que derrama sobre a superfície no momento irreversível em que o artista se despede de sua obra. Toda obra de arte também possui um momento em que ela se despede do seu criador, caso contrário não chegaria ser obra de arte. Essa obra deve entrar e viajar no mundo dos outros, depois de ter passado pelo transe da criação, aprisionado na segurança de uma única vez. Os potes antropomorfos de Marianita passaram por esses momentos de transe e carregam nos seus corpos negros a soma de uma infinita série de buscas subterrâneas para se conectam, não só com a artista mas com todas as circunstâncias nas quais foram criadas. Sua obra pessoal, não se furta ao diálogo com as duas Alices, de um Xico, de um Vasco ou de Cláudio Martins Costa, de um Gilberto Pegoraro, de uma Jussara Guimarães, vinculando-se as águas profundas e subterrâneas que regaram as obras de toda uma geração de artistas sul-rio-grandenses.


Arquivo fotográfico pessoal da artista

Fig. 07 – Exposição do Curso Superior de Cerâmica criado e dirigido por Maria Annita Tollens Linck

Cartaz - folder



Evidente que os vasos negros e antropomorfos de Marianita convidam agora para a viagem ao contrário para refazer as suas origens, buscar o repertório feliz e seguro do qual se originaram e perpetuam como obra. Nelas o tempo se torna concreto e transcende a sua origem ao fazer essa prazerosa conexão entre o criador de uma sólida obra portadora de um passado. Isso se dá através de um observador que se aproxima dela, prisioneiro de um momento presente e que no seu olhar, toque e vida, empresta um futuro a essa obra, vinda do passado primordial do CRONOS, dos QUATRO ELEMENTOS, da VIDA e da CULTURA.


A obra que consegue esse feito instaura uma civilização. Caso contrário ela é mais um trabalho, um evento e que o vento da natureza se encarrega de fazer voltar ao ciclo implacável das fúrias que regem os seus elementos.


Arquivo fotográfico pessoal da artista

Fig. 08 – Maria Annita Tollens Linck no seu atelier particular


Nem todos possuem a coragem ou a força para renunciar ao ciclo implacável que a Natureza soberana impõe. Um bom começo, para esse reencontro com o tempo civilizatório da arte, é entrar em contato com a mestra que conseguiu disciplinar esse tempo, fazer o retorno às origens dessa civilização. Não existe nada mais concreto do que o bom diálogo com a mestra e com todo aquele universo que ela delegou à sua obra em momentos de transe criativo de sua arte.


A cidade de Porto Alegre é feliz por possuir essa mestra e sua obra que prolonga no tempo esse saber tão sólido e tão simples como o prazer de brincar com o barro da nossa origem comum.


Neste barro Marianita modela as formas de um corpo feminino jovem, origem de todos nós. Se ela quebra tabus, sãos os tabus forjados e sustentados pela nossa ignorância. A série dos seus totens, que ora nos oferece, exibem as formas mais puras e mais íntegras de um corpo feminino jovem, velando-se e se descobrindo nas suas relações com o mundo. A interrogação que instauram é o questionamento sobre a possibilidade de passar do tabu para o totem, sem culpa, tragédia e destruição. Na sua forma de silenciosos pontos de exclamação, esses vasos negros de Marianita, afirmam que isso é possível, apesar exigirem, para vir a este mundo, este caminho estreito, traiçoeiro e demorado. Eles conduzem à recompensa do prazer usufruído sem culpa, sem tragédia e sem destruir nada. Provenientes da sensibilidade feminina, não renunciam nem à sua beleza nem à busca da instauração de uma civilização que possa prolongar o prazer de estarmos simplesmente no mundo. Conectados entre si pela obra de arte, criadora e observadores transformam esse ‘estar no mundo’ em ‘um mundo’ digno de ser vivido.


Fig. 09– Maria Annita Tollens Linck na atividade docente de cerâmica


A obra de Marianita nos mostra que isso ainda é possível. Ela não vende futuro algum. Na sua obra cerâmica, elaborada em Porto Alegre nos primeiros dias de um novo milênio, ela oferece esses signos de uma civilização concreta e feliz. O brinde e o prazer passam a ser tanto de quem elaborou esses signos, como de quem pode, sem culpa e sem ameaça de soberania, usufruir deles agora.

VEJA MAIS EM:


Marianita LINCK

ROSA, Renato. Dicionário de artes plásticas no Rio Grande do Sul [2ª ed]. Porto Alegre: UFRGS 2000, pp.348/9.


Bando de Barro

http://bandodebarro.blogspot.com/2009/03/maria-anita-linck.html


Porcelana no Brasil em

http://www.porcelanabrasil.com.br/info011.htm

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